Vai ficar mais barato entrar na Justiça no Rio de Janeiro, STF mantém decisão do TJ-RJ que anula repasse de parte de taxas judiciais a CAARJ

Vai ficar mais barato entrar na Justiça no Rio de Janeiro, STF mantém decisão do TJ-RJ que anula repasse de parte de taxas judiciais a CAARJ

Em um pronunciamento que reverbera pelos corredores da justiça e ecoa nas estruturas do Direito brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que anula o repasse de parte das taxas judiciárias à Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (CAARJ). Este episódio, longe de ser um mero ajuste burocrático nas finanças judiciais, coloca em relevo questões fundamentais sobre a gestão dos recursos oriundos das taxas judiciárias e o papel das instituições que compõem o arcabouço do sistema jurídico brasileiro.

A decisão do STF, emanada como um farol de direção jurídica, sublinha a importância de se observar rigorosamente os princípios constitucionais que regem a administração dos recursos públicos, inclusive aqueles gerados no âmbito do Poder Judiciário. A controvérsia central girava em torno da legalidade do repasse de uma fração das taxas judiciárias recolhidas pelo TJ-RJ à CAARJ, uma entidade destinada a prestar assistência aos advogados fluminenses.

A CAARJ, instituição de caráter assistencial, tem como uma de suas prerrogativas a promoção do bem-estar dos advogados e de suas famílias, oferecendo uma gama de serviços e benefícios que vão desde apoio à saúde até iniciativas de cunho educacional e recreativo. No entanto, a utilização de recursos oriundos das taxas judiciárias para financiar tais atividades foi questionada, culminando na decisão do TJ-RJ que, posteriormente, recebeu o aval do STF.

A manutenção da decisão pelo Supremo Tribunal Federal não apenas sublinha a necessidade de se garantir que os recursos derivados de taxas judiciárias sejam utilizados de maneira a respeitar os preceitos constitucionais e legais, mas também ressalta a autonomia e a independência do Judiciário na gestão de seus recursos. Este julgamento serve como um importante precedente, reafirmando que a destinação de fundos judiciais deve estar alinhada com os objetivos de promover a justiça e a eficiência do sistema judiciário, sem desviar-se para finalidades que, embora nobres, não se enquadram nas disposições legais vigentes.

 

Plenário Virtual - minuta de voto - 08/03/2024 00:00

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):Antes de avançar no exame dos três agravos regimentais, faço breve introdução. Na origem, o Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ajuizou representação por inconstitucionalidade tendo por objeto a expressão “CAARJ/IAB (10%)”, contida no art. 6º da Lei fluminense nº 6.369/2012, e as expressões “CAARJ”, contida nos itens 1 e 10 da Tabela 02 e no item 6 da Tabela 03, e “ACRESCIDAS DO PERCENTUAL DESTINADO À CAARJ”, contida no item 13 da Tabela 02, todos da Lei fluminense nº 3.350/1999, na redação dada pela Lei Estadual nº 7.127/2015.

Na essência, defendeu o requerente que não poderiam ser destinados à Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (CAARJ) e ao Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) parcelas de custas e emolumentos.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro julgou procedente a ação, com efeitos ex nunc.

Na decisão ora agravada, neguei seguimento aos recursos extraordinários interpostos pela Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro e pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado do Rio de Janeiro (OAB/RJ), Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (CAARJ) e Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Contra essa decisão, os mesmos insurgentes interpuseram respectivos agravos regimentais. Afetei o julgamento dos três agravos regimentais ao Tribunal Pleno em razão da necessidade de maioria qualificada para se modularem os efeitos da decisão em que se declara a inconstitucionalidade de lei. Nesse sentido: RE nº 1.331.245/SP-ED, Tribunal Pleno, de minha relatoria, DJe de 29/4/22.

Passo ao exame dos três agravos regimentais.

DA ALEGADA COMPETÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA DA CORTE

Inicialmente, em razão da submissão do presente caso ao Plenário da Corte, fica prejudicada a alegação em que a Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (segundo agravo regimental) sustenta, com base no art. 10 do RISTF, que a competência para processar e julgar seu agravo regimental seria da Primeira Turma da Corte.

A ALEGADA OFENSA AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Não acolho a alegação formulada no terceiro agravo regimental de que a decisão ora agravada incidiu em violação do art. 93, IX, do texto constitucional.

A jurisdição foi prestada, no caso, mediante decisão suficientemente motivada, não obstante contrária à pretensão dos agravantes. Anote-se que o Plenário deste Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral desse tema e reafirmou a orientação de que a referida norma constitucional não exige que o órgão judicante manifeste-se sobre todos os argumentos de defesa apresentados, mas que fundamente, ainda que sucintamente, as razões que entendeu suficientes à formação de seu convencimento (AI nº 791.292/PE-RG-QO, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 13/8/10).

Passo a tratar da questão de fundo dos três agravos regimentais.

DA IMPOSSIBILIDADE DE DESTINAÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS À CAARJ E AO IAB

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro concluiu pela inconstitucionalidade, com efeitos ex nunc, da destinação de parte da receita oriunda de custas e emolumentos para a CAARJ e o IAB.

Em relação à CAARJ, ressaltou o Redator do acórdão, Desembargador Nagib Slaibi, que a CAARJ “não se destinaria a prestar serviços afetos à atividades específicas da Justiça”. Sua Excelência, outrossim, transcreveu trecho do parecer do Procurador-Geral de Justiça, para quem essa entidade seria destinada a “‘(...) prestar assistência aos inscritos no Conselho Seccional a que se vincule’, podendo, ainda, ‘em benefício dos advogados, promover a seguridade complementar” (grifo nosso). Também de acordo com o parquet, a CAARJ sequer poderia ser compreendida como instrumentalidade estatal.

O Redator do acórdão ainda se reportou aos termos do voto do Desembargador Maurício Caldas Lopes, que esclareceu que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que mesmo as caixas de assistência ou entidades de classe constituídas por integrantes de órgãos de direito público não poderiam ser destinatárias daqueles recursos. Sua Excelência também anotou que o fato de as Caixas de Assistência dos Advogados gozarem da imunidade tributária recíproca não altera aquela impossibilidade de elas serem destinatárias do recurso já referidos, ressaltando que elas têm natureza de direito privado. Também aduziu que a CAARJ não prestaria serviço médico, mas apenas intermediaria contratação de operadoras privadas de saúde e asseguraria “com nítida conotação previdenciária até, benefícios assistenciais”.

No que diz respeito ao IAB, consignou-se que, embora historicamente esse instituto estivesse ligado à organização do Estado Brasileiro, “hoje (...) sua configuração jurídica é de uma associação civil sem fins lucrativos”. Acrescentou-se também que, inobstante as elevadas funções por ele exercidas, “essas funções não destoam da atividade de inúmeras organizações não governamentais, think tanks e entidades associativas de defesa de direitos transindividuais”, as quais teriam personalidade jurídica de direito privado.

Verifica-se que o Tribunal de origem não destoou da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a impossibilidade, com efeitos ex nunc, da destinação de parte da receita oriunda de custas e emolumentos à CAARJ e ao IAB.

É importante deixar claro, desde logo, que não desconheço o julgamento do RE nº 405.267/MG, sessão de 6/9/18, DJe de 18/10/18, em que o Tribunal Pleno reconheceu terem as Caixas de Assistência dos Advogados direito ao gozo da imunidade tributária recíproca. Ocorre que, como sustentei na decisão agravada, o fato de essas entidades poderem gozar do beneplácito constitucional não importa a conclusão de que poderiam elas ser destinatárias de parte da receita de custas e emolumentos.

Atente-se que, enquanto a imunidade tributária em questão possui sua sede no art. 150, VI, a e § 2º, da Constituição Federal, a impossibilidade de as Caixas de Assistência de Advogados serem destinatárias daqueles recursos tem relação com a norma atualmente presente no art. 98, § 2º, da Carta Federal. Esse dispositivo determina que “As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça”.

No que diz respeito a esse assunto, é iterativa a jurisprudência da Corte de que é impossível, ante o texto constitucional, se destinarem parcelas de custas e emolumentos a entidades de direito privado como, v.g., Associações ou Mútuas de Magistrados, Associações de membros do Ministério Público ou Caixas de Assistência do Ministério Público, Caixa de Assistência de procuradores estaduais e Caixa de Assistência a membros da Assistência Judiciária ou mesmo para carteira de previdência complementar de servidores do Poder Judiciário. O mesmo se aplica, na jurisprudência, quanto às Caixas de Assistência dos Advogados. Em casos como os citados, vê-se que os serviços prestados pelas citadas entidades bem como o serviço custeado pela referida carteira de previdência complementar não se enquadram como “serviços afetos às atividades específicas da Justiça”.

Ainda nesse contexto, vale relembrar, por exemplo, o que disse o Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI nº 1.378/ES-MC. Defendeu Sua Excelência que a destinação de parte de receita de custas ou emolumentos para Associação dos Magistrados do Espírito Santo e Caixa de Assistência dos Advogados, Seção ES, “subverteria a própria finalidade institucional do tributo”. Ainda de acordo com o Ministro, “esse privilegiado (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares importaria evidente transgressão estatal ao postulado da igualdade”.

Em relação ao presente caso, cumpre rememorar que, consoante a Corte a quo, a CAARJ, entidade de natureza privada com personalidade jurídica própria, presta assistência aos advogados inscritos no Conselho Seccional pertinente, intermedia contratação de operadoras privadas de saúde e assegura-lhes alguns benefícios. Não pode, assim, segundo a jurisprudência da Corte, ser destinatária dos recursos discutidos nos autos.

Ressalte-se, de mais a mais, que, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Corte, no já citado julgamento da ADI nº 3.111/RJ, reconheceu a inconstitucionalidade da destinação de emolumentos para a Mútua dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, a Caixa de Assistência do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a Caixa de Assistência dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro, a Caixa de Assistência aos Membros da Assistência Judiciária do Estado do Rio de Janeiro e a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro (ANOREG/RJ). Não vislumbro razão para que o mesmo entendimento deixe de ser aplicado quanto à CAARJ.

Corroborando o entendimento, cito os seguintes precedentes:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA. LEI ESTADUAL QUE REGULAMENTA TAXA JUDICIÁRIA, CUSTAS E EMOLUMENTOS DO ESTADO DE PERNAMBUCO. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Ação direta em que se discute a constitucionalidade dos arts. 1º; 20, caput; 26, caput e §4º; 27, caput e §2º; 38 (na parte em que revoga o art. 2º, §1º, da Lei nº 10.852/1992) e das Tabelas A, B, C, D, E, F, G e H, da Lei Estadual nº 11.404/1996, do Estado de Pernambuco, que regulamenta as taxas, custas e emolumentos cobrados no âmbito do Poder Judiciário. 2. (...) 5. Os dispositivos da Lei Estadual nº 11.404/1996 que tratam de fixação de emolumentos para os serviços notariais e de registro não violam a competência da União para estabelecer normas gerais sobre a matéria (CF/88, art. 24, IV), visto que os Estados detêm competência suplementar e podem exercê-la de maneira plena na ausência de legislação federal (CF/88, art. 24, §2º e 3º). 6. A jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de que o produto da arrecadação da taxa judiciária pode ser destinado a despesas diversas à remuneração do serviço de prestação jurisdicional, desde que não haja destinação a instituições privadas, entidades de classe ou Caixa de Assistência dos Advogados. Precedentes. 7. Ação conhecida em parte e, nessa parte, julgada improcedente” (ADI nº 1.926, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 2/6/20).

“Ação direta de inconstitucionalidade em face dos arts. 5º, 22, 25, parágrafo único, e 28, todos da Lei no 12.381, de 9 de dezembro de 1994, do Estado do Ceará, que destinam percentual da arrecadação da taxa judiciária, emolumentos e custas à Associação Cearense dos Magistrados, à Associação Cearense do Ministério Público e à Caixa de Assistência dos Advogados. 2. Alegada ofensa ao art. 145, II, da Constituição. 3. Impossibilidade da destinação do produto da arrecadação, ou de partes deste, a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advogados. 4. Matéria pacificada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes: RP nº 1139, Rel. Alfredo Buzaid, DJ 30.10.92; ADI nº 1378, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.05.97; ADI nº 1.145-PB, Rel. Min. Carlos Velloso. 6. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI nº 2.982/CE, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 12/11/04).

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: NATUREZA JURÍDICA: TAXA. DESTINAÇÃO DE PARTE DO PRODUTO DE SUA ARRECADAÇÃO A ENTIDADE DE CLASSE: CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS: INCONSTITUCIONALIDADE. Lei 5.672, de 1992, do Estado da Paraíba. I. - As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem    espécie    tributária,    são    taxas,    segundo    a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. Precedentes do STF. II. - A Constituição, art. 167, IV, não se refere a tributos, mas a impostos. Sua inaplicabilidade às taxas.

III. - Impossibilidade da destinação do produto da arrecadação, ou de parte deste, a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advogados. Permiti-lo, importaria ofensa ao princípio da igualdade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI nº 1.145/PB, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 8/11/02— grifo nosso).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS - NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) - DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES  A   INSTITUIÇÕES PRIVADAS - INADMISSIBILIDADE - VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA TAXA - RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS EMOLUMENTOS  EXTRAJUDICIAIS. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina. (...) - DESTINAÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS A FINALIDADES INCOMPATÍVEIS COM A SUA NATUREZA TRIBUTÁRIA. - Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas. É que, em tal situação, subverter-se-ia a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilegiado (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de Magistrados e Caixa de Assistência dos Advogados) importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade. Precedentes” (ADI nº 1.378/ES- MC, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 30/5/97 — grifo nosso).

Esclareço que a jurisprudência pela impossibilidade de parte de custas e emolumentos ser destinada a Caixas de Assistência de Advogados continua sendo aplicada mesmo depois do julgamento do RE nº 405.267/MG, sessão de 6/9/18, DJe de 18/10/18, no qual a Corte reconheceu terem essas entidades direito ao gozo da imunidade tributária recíproca. Confirmando essa constatação, menciono o julgamento da ADI nº 2.211/AM, sessão de 20/9/19, DJe de 4/10/19.

Nesse caso, o Tribunal Pleno reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos de lei do Estado do Amazonas que destinavam parcelas da receita oriunda de custas à Associação dos Magistrados do Amazonas, à Associação Amazonense do Ministério Público e à Caixa de Assistência dos Advogados do Amazonas. Para chegar a essa conclusão, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, apoiou-se justamente naquela firme jurisprudência da Corte que refuta a possibilidade de destinação do produto da arrecadação das custas judiciais a entidades de direito privado como aquelas. O julgado foi assim ementado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS. NATUREZA TRIBUTÁRIA DE TAXA. AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE LIMITE MÁXIMO DA BASE DE CÁLCULO. INCONSTITUCIONALIDADE. DESTINAÇÃO PARCIAL DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS. IMPOSSIBILIDADE. DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL

DA TAXA. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a utilização do valor da causa como critério para o cálculo do tributo não é justificativa para a inconstitucionalidade, desde que sejam estipulados limites mínimo e máximo, além de uma alíquota razoável. A fixação de custas judiciais sem limite máximo ofende o princípio da inafastabilidade da jurisdição (CRFB, art. 5º, XXXV). Precedentes. 2. A vinculação das taxas judiciárias e dos emolumentos a entidades privadas ou mesmo a serviços públicos diversos daqueles a que tais recursos se destinam subverte a finalidade institucional do tributo. Precedentes. 3. Compete exclusivamente ao STF estabelecer o valor das custas de interposição do recurso extraordinário. Precedentes. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente” (ADI nº 2.211/AM, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 4/10/19 — grifo nosso).

Também é evidente que, pelas mesmas razões já consignadas, não se mostra possível a destinação de parte da receita oriunda de custas e emolumentos ao IAB, outra pessoa jurídica de direito privado, com personalidade autônoma, que não se enquadra, no ponto em questão, nos ditames do art. 98, § 2º, da Constituição Federal.

Por fim, consigno que os presentes casos da CAARJ e do IAB não se equiparam aos casos nos quais a Corte concluiu pela possibilidade de destinação de valores decorrentes de custas e emolumentos ao, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, aperfeiçoamento de “estruturas genuinamente estatais que desempenham funções essenciais à Justiça”, como, v.g., ao Fundo Especial da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ADI nº 3.707/RJ). No que diz respeito a esse específico caso, atente-se que ele nada tem a ver com o caso no qual a Corte reconheceu a impossibilidade de destinação de tais valores à Caixa de Assistência dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro e outras entidades privadas análogas (ADI nº nº 3.111/RJ), esse sim aplicável no presente feito.

DA PROPOSTA DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Em relação ao   pedido   de modulação   dos   efeitos   da   decisão formulado pela Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (CAARJ), o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado do Rio de Janeiro (OAB/RJ), julgo ser o caso de acolhê-lo em parte para que a declaração de inconstitucionalidade firmada pelo Tribunal de origem passe a ter efeitos a partir de 1º de janeiro de 2025.

Com efeito, as normas declaradas inconstitucionais produziram efeitos por longo período de tempo. Note-se que as disposições invalidadas constam de leis de 2012 e de 2015. Tenho, para mim, que isso criou certa perspectiva, em prol da CAARJ e do IAB, de que os referidos recursos continuariam a ser a eles destinados. Ademais, é razoável compreender que tanto a CAARJ como o IAB ou já utilizaram dos recursos ora em debate que lhes foram transferidos ou, ao menos, construíram orçamentos acreditando na continuidade do pagamento dessas verbas.

Acrescente-se a isso o que disseram as mencionadas agravantes: o repasse declarado inconstitucional representa “mais da metade da Receita Bruta da CAARJ, de modo que o julgamento da matéria em comento influenciará diretamente na sua própria subsistência” (grifo no original). Como se vê, a súbita retirada dessa fonte poderá prejudicar consideravelmente a prestação de assistência aos advogados inscritos no Conselho Seccional pertinente, incluindo a intermediação de contratação de operadoras privadas de saúde bem como a concessão e a manutenção de benefícios assistenciais. Penso que também o IAB poderá sofrer o súbito desaparecimento de fonte de receita, a qual, há muito, tinha o instituto como certo.

É necessário conferir prazo razoável para que a CAARJ e o IAB se adéquem ao novo quadro jurídico, em que foi declarada a inconstitucionalidade da destinação a eles de recursos oriundos de custa e emolumentos judiciais. Entendo ser razoável que a declaração de inconstitucionalidade passe a surtir efeitos apenas a partir de 1º de janeiro de 2025.

DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, nego provimento ao primeiro agravo regimental, interposto pela Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, bem como ao segundo agravo regimental, interposto pelo Governador do estado do Rio de Janeiro.

Quanto ao terceiro agravo regimental, interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado do Rio de Janeiro (OAB/RJ), pela Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (CAARJ) e pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), dou-lhe parcial provimento para, a título de modulação de efeitos, assentar que a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro passe a surtir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2025.

É como voto".

Decisão do TJ-RJ 

A Constituição do Rio de Janeiro estabelece que as custas judiciais serão destinadas exclusivamente ao custeio dos serviços relacionados às atividades específicas da Justiça.

E, por entender que a Caixa de Assistência dos Advogados do Rio (Caarj) e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) não são essenciais para o funcionamento do Judiciário, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro declarou nesta segunda-feira (2/5) a inconstitucionalidade do repasse de parte das taxas judiciais recolhidas pela corte às duas entidades.

TJ-RJ decidiu anular o repasse de parte de taxas judiciais a Caarj e IAB
Reprodução

A transferência é prevista pela Lei estadual 6.369/2012. De acordo com a norma, 10% das custas são destinados às duas entidades. Desse percentual, 9,3% vai para a Caarj e 0,7%, para o IAB. O repasse existia desde 1986, quando foi instituído pela Lei estadual 1.010.

Advogado Luis Eduardo Salles Nobre, informou que representou, pois viu que a OAB tinha se tornado um braço politico de esquerda e não jurídico. 

A ação foi movida pelo Ministério Público do Rio, após representação do advogado Luis Eduardo Salles Nobre. O MP-RJ sustentou que a transferência de valores é inconstitucional, pois configura benefício indevido a duas entidades privadas que não são essenciais à Justiça.

A decisão tem efeito ex nunc. Portanto, vale daqui para frente, seus efeitos não retroagem.

Prevaleceu no julgamento o voto divergente do desembargador Nagib Slaibi Filho, que foi designado para redigir o acórdão.

Outro lado

A Caarj afirmou à ConJur que recorrerá da decisão. A instituição disse que está aguardando a publicação do acórdão no Diário Oficial, que revela a íntegra dos votos, para analisar os próximos passos do processo e interpor embargos de declaração.

O presidente nacional do IAB, Sydney Sanches, também declarou que irá examinar o acórdão para verificar a extensão da decisão e definir os procedimentos processuais cabíveis. Segundo ele, a matéria ainda pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.

Caso semelhante

O TJ-RJ, em 2018, proibiu que cartórios extrajudiciais cobrassem taxas destinadas a entidades assistenciais de servidores do Judiciário fluminense. Os cartórios cobravam R$ 14,87 para cada ato extrajudicial praticado no estado do Rio, como casamento, escritura de compra e venda, protesto e doação.

O dinheiro era repassado à Mútua dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, às caixas de Assistência do Ministério Público, dos Procuradores e dos Membros da Assistência Judiciária do Estado do Rio de Janeiro e à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro. Todas as entidades são elencadas no parágrafo 1º do artigo 10 do Decreto-Lei 122/1969.

Após ter sido provocada pelo advogado Luis Eduardo Salles Nobre, a Procuradoria-Geral da República moveu ação direta de inconstitucionalidade contra a norma. Em junho de 2017, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o repasse contraria a Carta Magna. Para o relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, "há clara censura da jurisprudência da corte no tocante à destinação desses valores a entidades privadas, estranhas à estrutura do Estado".

Como o tempo passou e as taxas continuaram a ser cobradas, Salles Nobre pediu à PGR que instaurasse procedimento para investigar suposta afronta ao acórdão do Supremo.

Os procuradores concordaram e pediram, em 26 de janeiro deste ano, esclarecimentos sobre o assunto ao então presidente do TJ-RJ, desembargador Milton Fernandes de Souza. Caso a PGR entendesse que a corte estava desrespeitando ordem do STF, moveria reclamação constitucional.

O TJ-RJ decidiu, então, agir. No Aviso Conjunto TJ/Corregedoria-Geral de Justiça 4/2018, de 19 de fevereiro, Souza e o corregedor-geral, Claudio de Mello Tavares, avisam os cartorários que eles devem "cessar imediatamente" a cobrança das taxas.

Processo 0049614-42.2018.8.19.0000

Com informações Conjur

 

 

Por Jornal da República em 18/03/2024
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